A sina de alguns seres parecem traçadas
de antemão, por mais que corra, por mais que se evitem os
aborrecimentos, cedo ou tarde, sob a luz do sol ou, a escuridão da
noite, o desiderato se confirma. O destino se assemelha a força da
morte, quando bate a porta não adiante se estrebuchar, nem tão pouco
chorar, melhor ser racional e aceitar o nefasto dilema.
O cachorro apelidado por Pirão passeava
pelas estradas de terras da pequena comunidade, os demais animais o
respeitavam, a força do bicho e seu porte de general os intimidavam.
Naquele pedaço ele era o rei absoluto. Dos cães era o mais ágil na caça,
atalhava veado, encurralava tatus, pastoreava o gado, o xodó da casa,
comia do bom e bebia do melhor.
Como no sertão o sol é mais quente do
que nas outras regiões, os ponteiros dos relógios corriam loucamente
para alcançar o número doze, estava perto; Pirão encontrou uma boa
sombra debaixo de um ônibus e ficou a descansar, não se atentou ao
perigo, nem se deu conta que o veiculo estava ligado. Após alguns
minutos, o motorista entrou rápido e ligeiramente deu partida. O
instinto do cão falou mais alto, ele tentou se esquivar, correu, mas não
o suficiente, a roda no seu trajeto e com toda a sua força e peso
feriu-lhe o membro dianteiro esquerdo. O osso se quebrou, muitos uivos,
outros tantos latidos. Pirão nunca mais seria o mesmo, quem, todavia,
nasceu rei, rei sempre será.
A agilidade do caçador estava
comprometida, continuava a andar, corria, mas não como antes. Na
residência de seu Joaquim há uma matilha deles. Pirão com o seu latido
forte e groso, com o seu turrado, mesmo debilitado continuava como o
mandachuva, todos os outros os repeitavam e os temiam.
Pirão já não mais podia caçar, os
frangos no terreiro o deixavam sem fôlego, o membro danificado o impedia
das proezas de outrora. O cão então deixou a vida pacata da fazenda e
foi para o agito do centro da comunidade. Na praça existem os barzinhos,
os botecos, neles vira e mexe os clientes fazem churrasco, nesse
ambiente sempre lhe sobravam alguns pedaços. Às vezes, os churrascos
aconteciam em dois estabelecimentos distintos e distantes um do outro.
Pirão com toda a dificuldade de locomoção montava guarda nos dois, toda
vez que outro da sua espécie tentava encostar recebia um latido e um
rosnar sempre a mostrar as presas. Quando não havia movimento ele
voltava a curtir as sombras das muitas árvores do terreiro da fazenda,
contudo está sempre atento, igual a um soldado, basta escutar o estouro
de um foguete para em disparada e em minutos ele se postar defronte ao
bar ou a residência onde porventura esteja acontecendo um movimento.
O pobre e valente cão superou a
deficiência e guia a sua vida de acordo com a nova realidade. Manco de
um dos membros ainda assim consegue ser maior do que os demais da sua
raça.
Na vida nem sempre quem tem tudo são os que alcançam maiores sucessos.
História baseada em fatos reais.